Desta vez, nenhum controlador aéreo espanhol decidiu interromper a viagem de Ben Frost até Portugal. Vale a pena recordar que este concerto era para ter acontecido primeiramente a 4 de Dezembro do ano passado, mas, devido à greve dos ditos controladores, o voo que ligava Frankfurt a Lisboa e trazia o músico australiano foi cancelado, deixando o espectáculo dessa chuvosa e gélida noite a cargo de Fennesz e companhia.

Remarcado para o nosso feriado de 25 de Abril, Ben Frost trouxe consigo aquele aroma a liberdade, adaptando-se na perfeição ao espírito que dominava Lisboa há trinta e sete anos atrás.

Frost transporta consigo uma alma aversa a coletes de força. E aqueles que esperavam uma fúria noise/drone de primeira linha terão ficado surpreendidos com a entrada subtil do músico, que logo se sentou ao piano, dando início a uma melodia suave e melancólica.  Ao seu lado, Borgar Magnason, contrabaixista islandês – sim, da Islândia, país para onde Ben Frost emigrou a fim de potenciar ainda mais a sua veia criativa – que ia dando os primeiros sinais do rolo comprossor que se avizinhava. Assim que Frost se ergueu em direcção ao seu Mac, o Teatro Maria Matos estremeceu. O nosso peito idem. Não é brincadeira lidar com o que o australiano vai criando, em sucessivas sobreposições sonoras. Pelo contrário: Frost torna-se uma espécie de oceano agitado, que vai soltando frívolas ondas em direcção à costa, deglutindo-a aos poucos e poucos, num lento e ruidoso manjar.

Borgar, que ia entrando e saindo de palco, limitava-se a criar os contornos do buraco negro para onde a música de Ben Frost se ia soltando, num estrepitar que aumentou de intensidade quando o rapaz de Melbourne decidiu pegar e acicatar impulsivamente a sua guitarra. Embevecido pela amalgáma voraz por si criada, Frost ia-se balançando com os maquinais estampidos, tornando o Maria Matos a sua oficina de experimentação e os portugueses cobaias de resistência à maleita que hoje conhecemos por tinnitus. Repito: não, não é brincadeira enfrentar o enraivecido mamute que é o som que o “Big” Ben vai cozinhando.

E, em jeito de cruel facada, o australiano, por vezes, acalmava a sua própria vontade de ecolodir com o Teatro, retomando o lugar no piano e dando uma espécie de ósculo da morte a quem por ali estava. Sim, porque logo de seguida tratava de recuperar a intensidade, não deixando que os que recheavam as cadeiras do Maria Matos pensassem que se iam escapar facilmente.
Até que, num esgar repentino, Frost foi silenciando a sua insanidade, calando cada componente de forma ordeira. Por fim, ficou somente o silêncio, que logo se transformou num longo e sincero aplauso, que obrigou mesmo o duo a regressar para fazer uma vénia ao público, sem encore incluído. Nunca o síndrome de Estocolmo foi tão evidente: é que mesmo depois de raptados e abduzidos durante quase uma hora e meia na nave espacial do senhor Frost, tivemos de o saudar e pedir para que não nos deixasse.

Ele deixou-nos, teve de ser. Mas o outro alien, da mesma estirpe do australiano, estará pela ZDB na sexta-feira. Sim, Tim Hecker, amigo de Ben Frost (o canadiano até considerou By The Throat o melhor álbum de 2009), promete competir com o seu colega pelo concerto mais fustigante deste ano. Pelo menos, será uma das semanas mais impiedosas dos últimos tempos.