As loas de amor que tece a Michael Gira não são de todo despropositadas. Mais justificadas se exibem quando o reencontramos, depois daquele ruidoso 25 de Abril de 2011, numa encarnação onde a sua silhueta do palco se afasta. Certamente guiado pelo carisma do homem que carrega os Swans na sua espalda, Ben Frost foi, em véspera de novo fim de mundo calendarizado, maestro de uma actuação onde as máquinas foram subtraídas e a figura humana foi celebrada.
No seu live project Music For Six Guitars, o antípoda sedeado em Reiquejavique abandona o palanque e arregimenta-se na mesa de som, pronto a coordenar quem se aventura pelo palco. Em Lisboa, seis músicos foram convidados para a incumbência: Norberto Lobo, Filho da Mãe, Filipe Felizardo, Manuel Mota, Daniel Rejmer e Riccardo Wanke – todos eles surgiram em cena, de guitarra eléctrica em riste, conscientes da sua missão. Atacando-a de pronta e sistemática forma, imperou preambularmente o picking em seco; depois, o ruído, o ansiado ruído, que nos avisou da sua presença ainda antes de tudo começar, através da imponente fileira de amplificadores e cabinets à mercê de um Frost que desconhece limites para o seu sadismo anti-eardrums.
Aproveitando o hercúleo esforço do sexteto – não é nada fácil ficar perto de uma hora num strumming brusco e ininterrupto -, o australiano foi então modelando o ruído a seu bel-prazer, num percurso repleto de cumes e vales, de estridências e baixas vibrações, de caos organizado e de tranquilas atmosferas. Inserindo, como não poderia deixar de ser, algumas texturas suas,Frost criou in loco uma composição visceral, de batimento cardíaco humano, não orientada pelo pulsar maquinal. Que contornos quasi-cinematográficos ganhou com a presença de um quinteto de sopros, proveniente da Orquestra da Câmara Portuguesa – uma adição que nem sempre se revelou certeira, mostrando-se desconexa e fora do contexto em alguns instantes.
Inegável é que Ben Frost, tal como Gira, detém um controlo absoluto sobre a viagem sonora que cria e proporciona. Condutor de uma abrasiva locomotiva, o músico transporta-a certeiramente pelas variáveis do tempo e da amplitude, sabendo o exacto momento para detê-la ou para lança-la abruptamente na (sua) parede de som. No Teatro Maria Matos, todos fomos seus passageiros, num percurso que não estranharia ter como derradeira estação o fim da existência.