Os Shape conhecem os trilhos por onde caminham. O palco é-lhes natural e o público nunca vira a cara às melodias que fizeram dos lisboetas espécimes únicos na cena portuguesa. Rotten Insidequase sempre se traduz num dos momentos mais emotivos de qualquer noite onde os Shape marquem presença e o Revolver não quebrou essa winning streak. Quem os viu por Cacilhas testemunhou um concerto onde a chave voltou a ser a sinceridade e, porque não, a satisfação de abrir para Bane. Poderá não ter sido tão intenso como o gig na Coop em Benfica, há um mês atrás (até porque desta vez não se ouviu 1995 dos X-Acto), mas tal não impediu os Shape de rubricarem um concerto que justificou os aplausos finais.
Os Rotting Out têm as suas impressões digitais bem definidas. É quase impossível não sentir a forte influência que o thrash da Bay Area exerce sobre a banda, o que não deve ser dissociado da origem do grupo: a Califórnia. Se já no soundcheck um dos guitarristas ia atirando riffs do Kill ‘em All dos Metallica, as malhas não deixam que ninguém os interprete erradamente. Grooves bem vincados num baixo ruidoso, e guitarristas capazes de recordar os bons tempos do crossover, são o que os Rotting Out colocam na mesa, receita reforçada por um Street Prowl que serviu de atracção principal no gig dos californianos. Não fossem as constantes falhas no microfone (uma delas arruinou por completo Dead To Me, grande malha do seu mais recente álbum) e estes tipos teriam roçado a excelência. Nada mau para quem se está a estrear na Europa.
Apesar de contarem com somente cinco anos de vida, os Cruel Hand são já um dos nomes grandes da nova vaga de hardcore norte-americano, que viu nascer bandas como os Trapped Under Ice ou os Backtrack. E essa influência que exercem nos Estados Unidos reflecte-se naturalmente no Velho Continente. Assim que iniciaram o concerto com Cruel Hand, o Revolver voltou a transformar-se em cenário de guerra – é praticamente imoral permanecer inerte aos ritmos e frívolos breakdowns de uma banda que adora despoletar a confusão. Malhas como Above And Belowou Life In Shambles são fogo em palheiro e é quase uma relação causa-efeito ver a chuva de stage dives e sing alongs com que a plateia responde. De sorriso posto, os Cruel Hand perceberam que foi um erro não terem vindo mais cedo a Portugal. Quem os avisou de que a malta por aqui adora o caos não estava a enganá-los e, como que a pedir uma bonita desculpa, o vocalista acabou o concerto num voo em direcção à plateia. Só é pena que se esqueçam de colocar mais umas malhas do Without A Pulse no set. Ainda bem que existe uma Dead Weight e uma Day Or Darknesspara compensar essa ausência.
Também os Bane se assomaram quase chocados por nunca terem actuado em Portugal. Dezassete anos de carreira, e inúmeras viagens Europa adentro depois, nunca o nosso país tinha sido contemplado por uma visita deles. Sim, antes tarde do que nunca. Ver Bane ao vivo assemelha-se a uma viagem pelo álbum de recordações e, por consequência, rapidamente se tornou verosímil a emotiva atmosfera que os norte-americanos induzem num concerto seu. As letras motivacionais e a melodia com que os Banesempre pautaram a sua carreira encontram reflexo perfeito nas actuações ao vivo, tornando-se natural testemunhar o ímpeto com que a plateia se dirige a Aaron Bedard para entoar as passagens de My Therapy ou As The World Turns.
A simbiose banda-público ganha ainda maior dimensão quandoCan We Start Again é trazida a palco. Obviamente, o Revolver não se fez rogado a um dos imortais hinos hardcore e acumulou-se maciçamente diante do grupo, num apoteótico e ilustrativo momento daquilo que é um gig dos Bane. Os sorrisos multiplicam-se e os homens do Massachusetts fazem questão de afirmar e sublinhar o statement de que Portugal corresponde a tudo o que elogiosamente se diz sobre o país no circuito hardcore. Vindo deles, é de acreditar nas palavras que contemplam o concerto em Almada como o melhor da tour europeia até agora. E como é sequer possível duvidar quando vemos um Aaron Dalbec quase em lágrimas em Swan Song, faixa que encerrou uma memorável estreia dos Bane no nosso rectângulo? When the armagaddon’s been locked and loaded, I will come back for you…