2010, “The Suburbs”, tema nº15 (último antes do epílogo): “Sprawl II (Mountains Beyond Mountains)”. Embora de modo inconsciente, é aí que começa “Reflektor”. Com essa elegia electro-pop, coisa que se estranha antes de pegajosamente se entranhar, os Arcade Fire projectaram o futuro. A banda de hinos, situados num espaço imaginário entre a celebração e a melancolia, tornou-se entretanto mais malandra, mais provocadora, e convidou o mestre perfeito para a (ligeira) operação plástica: James Murphy.
O single homónimo foi a demonstração dessa mudança. Um som sintetizado bem viciante, um dramatismo vocal entre o noir e o glam (ah, David Bowie) ou uns pozinhos noisy marcam o tema. Como se o estádio fosse afunilado num clube mais pequeno onde, em vez de cantarmos a plenos pulmões, fôssemos imbuídos a mexer-nos entre o sensual e o sinistro.
O desejo de arriscar é notório. Há o baixo canastrão de “We Exist”, o fantasma das coisas mais arrastadas dos LCD Soundsystem em “Porno”, os devaneios psicadélicos de “Flashbulb Eyes”, a euforia rock de “Joan of Arc”, um certo revivalismo (serão os Morphine? ou os Gomez?) no mais directo “Normal Person”.
Este não é, contudo, um trabalho de rotura, pelo menos não de forma declarada. Até porque, até aqui, o percurso dos Arcade Firenão era propriamente flat: “Neon Bible” tentou ampliar o tom solene e a melancolia épica de “Funeral” e “The Suburbs” já divagava mais um pouco, como mostra “Sprawls II” ou a guitarrada mais suja de “Month of May”. E, apesar de haver sempre um sintetizador, um efeito, um ambiente diferente, o refrão de “Afterlife” tem algo dos grandes épicos históricos dos Arcade Fire e “Here Comes The Night II” é um daqueles slows melancólicos que também abundam no trabalho da banda canadiana.
Apropósito de “Here Comes The Night Time”, a primeira parte do tema é paradigmática a mostrar as inúmeras alternâncias rítmicas do disco. Começa de forma aceleradíssima, guiado pela bateria e pela distorção de guitarra, antes de, lentamente, um baixo ligeiramente pesado ir preparando a cama para o teclado gingão e para um momento mais eufórico (e ainda não chegámos a meio). Muitas camadas, num belíssimo tema nada óbvio.
É um álbum de procura de novos rumos, mas que é coerente com o passado. Há um fio condutor, uma marca inequívoca que afastaWin Butler e companhia dos projectos em crise de identidade, que decidem disparar em diversas direcções falhando redondamente. O risco acompanhou muitas bandas que ficaram na história. Se será essa a sorte dos Arcade Fire e qual o contributo de “Reflektor” para esse estatuto, o tempo o dirá.