O mês de Agosto aproxima-se fingindo a doce inocência e leveza de ser de uma personagem literária de um qualquer Milan Kundera, movendo-se sempre ágil e rápido. Mas finja tanto quanto possa, inocência é o que não lhe reconheceremos nunca, pois com ele traz o mais forte sol veraneante, o despir dos corpos e dos preconceitos, a inerente busca por prados mais verdejantes ou pelo refrescante sabor aquático, e seguindo esta ordem e mais que tudo o resto, o desejo ardente de subir país acima até um dos pontos mais a norte deste Portugal, reavivar a paixão pela música em plena comunhão com a natureza.
O festival de Verão por excelência, escondido na recôndita e pacata vila de Paredes de Coura, tomando-lhe o nome, regressa ao radar entre os dias 17 e 20 de Agosto com um cartaz enorme e cheio de promessa. Os britânicos LCD Soundsystem terão de longe o nome mais sonante de todo o certame, até por estarem de regresso aos concertos e aos lançamentos depois de cinco anos de um hiato que se julgava ser terminal. A banda do icónico James Murphy é dona de uma lenda que se iniciou em 2002, e que se propagou através de um rock samplado jingão e brincalhão, total e altamente dançável, mas também capaz de baladas sentidas e significativas. Celebrando assim, de forma técnica e não oficiosa, o décimo aniversário de actividade, espera-se enchente no dia 18 para os receber em apoteose.
Mas nem só de música se fará o Vodafone Paredes de Coura. Crescendo sobre as margens do Tabuão e em direcção à mata, as tendas e toalhas multiplicar-se-ão como pão nas mãos do profeta no paradisíaco cenário rural, tão verdejante quanto refrescante. Nas águas geladas do rio só devemos conseguir enfiar os dois pés até aos joelhos, ficando a assistir de fora às meninas de biquini, aos clássicos mergulhos acrobáticos, e à versão marítima de uns quaisquer carrinhos de choque, desta feita com botes a remos, respirando a brisa característica. Haveremos de subir então à vila para uma malga de caldo verde e outra de sangria na companhia dos locais, esperando voltar a encontrar o pequeno que no ano passado rivalizou com os cabeças de cartaz pela melhor actuação, munido apenas de um cavaquinho e de um sorriso onde faltavam dentes. Caso o percamos, teremos a oportunidade de apanhar pela vila bandas tão boas como os Quelle Dead Gazelle, Duquesa ou os Galgo ainda antes do festival começar, oferta da organização para os madrugadores.
Temos no entanto uma enorme curiosidade em descobrir os Minor Victories, grupo que reúne elementos dos Slowdive, Mogwai e Editors, na esperança de que esta reunião de bandas tão distintas não resulte numa chonice pegada, e que consiga conciliar os muitos componentes de interesse que cada um tem em génese. Mais seguros e não menos expectantes estamos em relação aos sempre agradáveis Unknown Mortal Orchestra, de som pop fácil de assimilar e difícil de desconstruir, combinando o psych, que os faz tantas vezes serem comparados aos Tame Impala, com o chillwave, numa receita a adquirir em quantidades generosas.
Estaremos então nas fileiras mais avançadas do público de um desgrenhado Ryley Walker, tipo que facilmente poderia ser confundido com os senhores que me ajudam a estacionar o carro, mas dotado de magia na voz e nos dedos que dedilham a guitarra; e igualmente de álbum novo na algibeira, prontos a mostrar, estarão os Thee Oh Sees, banda norte-americana de som de garagem aguerrido que já há dois anos distribuíram para uma chapada musical digna de invasões de palco e elevações de corpos acima da cabeça. Depois dos já falados LCD SS, seremos assolados pelos fortíssimos baixos e drones dos Suuns, eles que certamente nos farão tremer a úvula e trarão brilho e calor ao final de noite.Pese embora os Cage the Elephant serem dotados de uma energia notável, com provas dadas em edições anteriores relativamente ao poderio instrumental do seu rock aguerrido, alimentado em grande parte pela explosão do vocalista Matt Shultz, e que os terá elevado este ano ao estatuto de cabeças de cartaz, não são os norte-americanos que mais queremos ver no penúltimo dia de festival. Pelo menos enquanto nos servirem de bandeja o psych arrastado e hipnótico dos Psychic Ills, ainda que provavelmente sem a voz de Mazzy Star na melhor das faixas do novo álbum; ou o deleite folk de Kevin Morby, autêntico botão de teletransporte para panoramas mais ricos e texturizados, capaz de nos encher de conforto e paz de espírito. A curiosidade irá ainda levar-nos ao Palco Vodafone aquando da actuação dos King Gizzard & The Lizard Wizard, grupo fenómeno com um dos melhores nomes de sempre, feito famoso pela energia ácida com que impregnam os seus concertos.
Restam, no último dia, os enormes Ricardo Martins e o Filho da Mãe, exímios instrumentalistas e especialistas em extravasar até aos limites do experimentalismo a guitarra e a bateria, fazendo-as dançar entre si. Num dia em que a festa é colocada em segundo plano perante a propagação do emocional, espreitaremos a expressividade e a teatralidade dos Portugal. The Man, entre as duas actuações que maior provas terão; o frágil e bonito contar de histórias de The Tallest Man On Earth irá testar a sua capacidade de encher o anfiteatro natural e mantê-lo no seu transe. Já aos CHVRCHΞS cabe tomar as rédeas de um palco que não costuma ser perdulário perante artistas que ali tentem desenvolver synthpop ou sequer pop delicodoce, e que acontece serem as maiores armas dos norte-americanos. Antecipamos no entanto amar imenso e com intensidade, neste e em todos os dias deste festival, até à madrugada final em que ninguém dormirá, perdidos na cumbia inebriante de Matías Aguayo.