Por muito que tentemos, é árduo abstrairmo-nos do facto de Anathema ter lançado alguns álbuns míticos dentro do espectro doom/death metal. Vince e Danny Cavanagh, quando acompanhados por Duncan Patterson e Darren White, marcaram posição com registos de elite como Serenades e Eternity; e, quer se queira, quer não, a sua carreira ficou para sempre vincada por esse início carregado de peso e negritude.

Mesmo Alternative 4, o álbum que marca o ponto de viragem na carreira dos britânicos para uma sonoridade mais atmosférica e menos agressiva, apresenta ainda um cariz marcadamente depressivo, que faz com que seja um registo essencial em praticamente qualquer discografia.

Mas é inegável que esse lado misantrópico se tem vindo a desvanecer com o decorrer do tempo. Duncan Patterson abandonou a posição de baixista após Alternative 4, sendo substituído pelo terceiro irmão Cavanagh, Jamie, que tinha estado na formação da banda em 1990. E os três álbuns seguintes (JudgmentA Fine Day To Exit e Natural Disaster), apesar de manterem aquele toque especial e único dos Anathema, foram passos cruciais para aquilo que Danny Cavanagh refere nas entrevistas recentes: encontrar a luz.

 Inspirados no post-rock atmosférico dos islandeses Sigur Rós e com produção do líder dos Porcupine TreeSteven WilsonWe’re Here Because We’re Here apresenta uns Anathema mais tranquilos consigo mesmos e visivelmente satisfeitos por terem ultrapassado os obstáculos do seu inner-self. Apesar de o título ainda revelar uma perspectiva niilista acerca da vida, o som e as letras não deixam equívocos: vinte anos depois, os Anathema parecem ter descoberto o caminho para a beleza da vida, apreciando-a da forma mais simples possível.

É radicalmente diferente, quando colocado em perspectiva com a restante discografia? Não. É coerente. É coerente com o percurso pré-2010 e tem definitivamente qualidade para ser considerado um excelente álbum dentro da carreira dos britânicos. Se dúvidas houvesse em relação a isso, elas ficam praticamente dissipadas assim que roda Dreaming Light, uma faixa que praticamente define todo o conceito do álbum: uma melodia celestial e espiritual.

A demo Everything, divulgada em 2007, tinha servido de antecâmara para We’re Here Because We’re Here, já que faixas como a própria Everything, Hindsight ou A Simple Mistake acabaram por fazer parte da tracklist final do álbum. Angels Walk Among Us também já era relativamente conhecida por ter sido integrada em vários setlists de concertos de Anathema, bem antes do lançamento do álbum – lançamento esse que se atrasou por problemas contratuais.

E, de facto, não há surpresa em verificar, após esse background prévio, o destaque que os teclados de Les Smith (que já passou pelos Cradle of Filth) ganham neste disco. Há algo daquele prog rock à Rick Wright que se sente neste trabalho, particularmente em faixas como a bela Presence, onde a mensagem “Life is eternal” é deixada a ecoar… De certeza um conselho de Steven Wilson, um amante confesso do rock progressivo de uns Pink Floyd ou King Crimson.

Outra característica de realce é a bela voz de Lee Douglas, uma vocalista que empresta a sua qualidade interpretativa a este trabalho, algo que faz com Anathema há uma década.

Estes Anathema poderão parecer mais pop e/ou mais fáceis de entranhar do que há uns anos atrás, mas faixas como A Simple Mistake, uma das melhores que o catálogo dos britânicos tem para oferecer (e a versão demo ainda é melhor!), acabarão sempre por contornar esse preconceito e farão prevalecer aquilo que a banda tem de melhor: um talento assinalável para a composição, que provoca no ouvinte uma sinestesia cativante, onde podemos sentir o toque das guitarras e a luz libertada pelos teclados.

Este álbum poderá não ser amor à primeira vista, mas senão entrar de início, o conselho é não o colocar logo de parte. É um trabalho que merece várias oportunidades e as virtudes do mesmo acabarão por ser encontradas. Não vale a pena esperar por uma Restless Oblivion ou uma Sleepless… Isso já lá vai. E como diria Vince Cavanagh, com a sua voz inconfundível: “time could be the answer, take a chance”…