O Hard Club recebeu este fim-de-semana a quinta edição do Amplifest, que se tem conseguido impor como nome incontornável dentro dos festivais Portugueses e ganho notoriedade cada vez maior a nível europeu. Por esta altura já não é assim tão surpreendente a coabitação entre uns Full Of Hell e o William Basinski no mesmo dia, não deixando por isso de ser uma heterogeneidade louvável. É o tipo de festival em que, independentemente das diferenças de impacto, tanto faz sentido ter o palco principal a abrir com YOB como com um concerto único de duas jovens bandas portuguesas de post metal como aconteceu este ano.
A colaboração Juseph VS MOASE que deu o tiro de partida na sala 1 viu as duas bandas suceder-se em palco para canções individuais, convergindo no final para interpretar um tema de cada uma em conjunto. Desta alternância entre o som mais expansivo dos Memoirs Of A Secret Empire e os instrumentais mais directos dos Juseph resultou um aumento de variedade interessante ao som de cada. É curioso que o mesmo palco tenha encerrado o ano transacto com uma actuação bem morna dos Cult Of Luna; não querendo obviamente comparar o pedigree dos suecos com o das duas bandas em questão, a verdade é que estas assinaram uma prestação bem mais urgente, como que a lembrar-nos do quão importante é ter pica no que se faz. LP
A não-oxidação dos Converge prova-se nos calos de Filho da Mãe. Tirem sete anos ao tempo e vão encontrar o Rui Carvalho com os If Lucy Fell, enfiado na garganta medieval do Tuatara enquanto os “No Heroes” não chegam – «the hottest show ever», como diria depois o Nate Newton ao Roque. Voltem para 2015: o português num dedilhado esotérico pela contra-luz, os norte-americanos numa galgada cardiovascular como se jamais tivessem passado dos 25. Suores distintos, adrenalinas que enrugam, prescrições artísticos que divergem – no mesmo dia, o reencontro indirecto entre a sombra acústica e a navalha em riste. Porque, em definitivo, não somos todos iguais. EP
Como o Amplifest não são só concertos, antes do Filho Da Mãeestrear o palco 2, já nele tinham sido exibidos os documentários “Rungs In A Ladder” sobre o Jacob dos Converge e “Here Is A Gift For You” sobre os Old Man Gloom (encaixavam que nem uma luva numa edição futura, não era?). Para além disso, também o Main Floor é mais que lugar de passagem, ocasional copo e compra de merch. Tudo isso é válido, mas há também um pequeno palco que ostentou a instalação de gongos de João Filipe e Steve Hubback (com apresentação bidiária por parte dos autores) bem como as Amplitalks moderadas pelo José Carlos Santos (LOUD!, Terrorizer, Rock-A-Rolla).
No primeiro dia houve a “Writer’s Block”, referente à evolução e ao estado actual da imprensa musical, e a “The Outer Limits”, que juntou o Kurt Ballou, o Mories e o Stephen O’Malley em agradável conversa sobre experimentação em música e os seus limites ou ausência dos mesmos; tendo ficado a certa altura patente uma curiosa dicotomia entre preferir o trabalho a solo (Mories) ou colaborações (Ballou e O’Malley), sobretudo quando temos em conta o concerto enormíssimo que o O’Malley daria a solo no dia seguinte. LP
Houve no YouTube, a certa altura, um vídeo que resumia vinte anos de Converge em vinte minutos. No início, apenas putos que se divertiam a copiar Integrity e Rorschach; depois, a vitrola que pariu “Jane Doe”. E se os Full Of Hell durarem todo esse tempo? Conseguem imaginar a síntese? É que, apenas desde 2011, eles já se livraram da maralha dark hardcore, recuperaram a lobotomia noise que parecia irremediavelmente presa ao cadáver de Man Is The Bastard, convenceram o Merzbow a deixar a cave para tocar com eles no Incubate e avançam agora, com sete pedras na mão, para o death metal mete nojo. Fofos fora de palco, bestas nele, trataram aquela Sala 1 como se fosse um calabouço de Amstetten, simpósio 101 sobre blast beat enquanto veículo de tortura não-anestésica. Combate first blood, o primeiro mosh no Amplifestdesde Utopium, vinte minutos a reboque de um demónio encarnado baterista. Quem sangrou, perdeu.
Noveller nos primeiros-socorros porque a Sarah Lipstate tem a bonomia da curandice. Ela e a guitarra numa justaposição de equilíbrios entre a melodia-camurça e o langor que o drone traz às costas. Vaivém harmónico amparado por dardejantes projecções, exercício de faith healing para sossegar as gulosas feridas de Full Of Hell. EP
Altar Of Plagues, William Basinski e Converge não é uma sequência muito comum a encabeçar um dia de festival seja ele qual for, nem que seja porque meter black metal, ambient e hardcore a funcionar de rajada como aconteceu não é propriamente atirar ao ar três nomes e esperar que resulte, mas que dadas as características de cada um dos nomes acaba por fazer todo o sentido.
«No reunion. No explanation. Just music.» No fundo, se os Altar Of Plagues aparecerem num festival há duas coisas a esperar: pode ser um dos últimos e não vai ser em piloto automático, caso contrário provavelmente não acontecia. Aos comandos de James Kelly sucederam-se temas exclusivamente retirados de “Mammal” e ”Teethed Glory And Injury”, sendo que o lado mais industrial do último coexiste na perfeição com o black atmosférico do resto da carreira da banda. Também porque o enquadramento visual puxava mais para isso, o destaque acaba por ir para malhas do último disco como “God Alone” ou a grande “Twelve Was Ruin”. Se foi ou não a última vez que deram um concerto em Portugal só o tempo dirá, se foi despedida pelo menos foi em grande forma.
Do peso para a contemplação às mãos de William Basinski, a sala 2 sentou-se quase na totalidade numa cena a lembrar oDenovali Swingfest, onde se costuma ver o público sentado (ou deitado) no chão a ouvir música de um espectro semelhante. A actuação durou menos de uma hora mas também se podia ter esticado pelo dobro do tempo que por lá tínhamos ficado encantados perante a electrónica do norte-americano. A forma como leva cada tema a extinguir-se subtilmente é soberba e torna-se num exemplo perfeito de que não é preciso um volume exagerado para dar um grande concerto.
A sala 1 terminou a noite cheia e entregue aos Converge, o que como é natural implicou uma quantidade de pessoas a saltar do palco, algo até aqui inédito no festival, ou à cacetada à frente dele. Concerto a condizer com a história da banda, intenso e dedicado. À máquina bem oleada de Ballou, Newton e Koller junta-se o frenesim do Jacob Bannon entre corridas, berreiro e microfone para o inevitável amontoado de gente pronta para berrar o que falta. O alinhamento compôs-se por temas de “Jane Doe” para a frente e, se o final ficou a cargo das clássicas “Concubine”, “Last Light” e “Jane Doe” (em encore), a verdade é que mesmo com a evolução constante desde 2001, tudo o que tocam encaixa lado a lado com as mais recentes “All We Love We Leave Behind” ou “Trespasses” a serem tão celebradas como os temas mais antigos. Concerto de apoteose constante com público e banda em sintonia perfeita e que confirma para além de qualquer dúvida que uma banda como os Converge cabe e bem no Amplifest. LP
E, depois do adeus, o que faço aqui? Já perguntava o Paulo de Carvalho. A tunnel vision abandona-nos por misericórdia, o fôlego lá encontra às apalpadelas os nossos pulmões constritos.Converge passou, precisamos de mais um copo que o James Kelly está a chegar de metro: the next station is… Amplifest, please mind the gap between the platform and the festival. O irlandês, de juba metálica aparada pela electrónica, parece desprenhado pela bêbada madrugada de Londres – shots B-52 servidos pelo Burial, blitzkriegs dubstep que metem tudo no rés-do-chão porque WIFE prefere sempre o underground ao arranha-céus. Como toupeiras de after-hours, seguimos as vibrações. EP