Primeiro, porque é daqueles que vale por muitos. O gajo que entalava microfones na boca como mangueiras mecânicas de uma sessão S&M e o No Fun Fest tapava os ouvidos só para não ouvi-lo. Era até fazer sangue, tipo combate ‘first blood’ entre ele, o Fernow, e uma plateia de miseráveis que ali estavam como os que num bar de swing ficam de boquinha aberta para a chuva dourada. As experiências electrónicas que surgiriam em discos como o “Mummification And Prayer” ou aquela abertura terrorista no “Black Vase” representaram para mim aquilo que eu nem sabia existir na música, aquilo que metia os norte-americanos a babar na primeira Guerra do Golfo, só de imaginar Tikrit ou o Kuweit a desfazeren-se em pó – “Precision bombing”. Prurient, e aquilo que me chegou num porco vinil emprestado (e não mais retornado) do “Body Language” em 2005, mostrou ser possível fazer mal ao outro de longe. Sem lhe tocar. Sem ter contacto. Manter uma distância sanitária do inimigo e arrumá-lo com meia dúzia de botões ao longe. Sem sujar as mãos, sem lhe ir à boca, sem lhe insultar a irmã. Nada. Apenas ruído, barulho, a estridência de uma contemporaneidade com os tijolos encavalitados até ao ponto de só lhe restar ERROR 404.
Para mim, e até chegar esse vinil, o Fernow era o tipo de Ash Pool, dessa demo “First Taste Of Power”, uma cassete que era trocada em fóruns da cena pelos que já seguiam tudo o que o O.T. de Akitsa tinha para dizer. Uma cassete que tinha na fita um black metal tão diluído que quase desaparecia em pela porta das traseiras, deixando ficar em estúdio aquilo a que se decidiu chamar “lo-fi”, aquele desprezo pela fidelidade que, afinal, já tinha chegado à costa leste dos Estados Unidos (onde sempre chegam as coisas que mudam aquele país) antes de a Pitchfork se agarrar a WITTR como um drogado se agarra ao vício. O black metal pós-Darkthrone, menos florestal e mais urbano, parecia a última estação antes de se perder a própria definição de música que se encontra no dicionário.
Mas, fodam-se os linguistas, havia Prurient. A tortura do significado continua a ser o único caminho. Estrangular a estética para que outra possa nascer. Não foi com ele que se fez ‘harsh electronics’ no mundo, mas foi com ele que aprendi realmente o que isso era. O conforto é o erro. A segurança é o crime. Duas leis que aprendi de joelhos. Fernow havia de se tornar em Vatican Shadow, havia de ler sobre os homicídios ritualísticos na Papua Nova Guiné para fazer Rainforest Spiritual Enslavement, havia de fazer um monte de merdas que o tornaram aceitável nos dancefloors ocidentais tipo Lux, havia de fundar a Hospital Productions onde venderia um CD dos míticos Runzelstirn & Gurgelstock recheado de merda (literal) no interior, mas Prurient é outra coisa. A fronteira entre o que conhecemos e o que se calhar morremos de medo por não conhecer.
Ponto final nisto. Prurient vai ao Amplifest, com o “Frozen Niagara Falls”, disco sobre o qual escrevi e sobre o qual só assim poderia ter sido escrito. Pois também a escrita pode, não, deve ser um instrumento de tortura. A escrita não é conforto. O conforto é o inimigo.
Sei que de Espanha estão também confirmados os Altarage, que não conheço, e que assim seja, que tenham a oportunidade de se sentar à beira do palco onde o Fernow vai tocar. Se não aguentarem até ao fim, foi inútil terem cruzado a fronteira.