Excessivamente mecanizados – falta-lhes soltura na cadênciasludgy – os helvéticos Zatokrev mirraram as saudades de quando o Hard Club traja peso, ostenta pêlo na venta e oxigena negrume. Na essência, um preâmbulo escrito a mal-humoradas guitarras, lido numa Sala 1 à cata da sua melhor acústica, ainda extirpada pelo sol. Há um ano, quando “The Bat, The Wheel And A Long Road To Nowhere” se apresentou como terceiro álbum na linhagemZatokreviana, passámos pelas brasas. Em palco, num Amplifest a aquecer tendões e cervicais, a insipidez manteve-se. Pena que Frederyk Rotter, frontman, com ele não tenha trazido um pouquinho do groove que os C R O W N (banda na qual dá uma mãozinha ao vivo) passeiam.

Que delito seria reunirmo-nos com os Downfall Of Gaia no principal quartel do Ferreira Borges. Sem grades, ou outros dispensáveis biombos, a Sala 2 submergiu no post-metal graúdo que os alemães urdiram em “Suffocating In The Swarm Of Cranes” – inteligente na visita ao blast beat, profícuo no feedback e mordaz quando é hora de o pescoço curvar, aquele subversivo amor libertário, tão à semelhança da época em que os Fall Of Efrafa liam Richard Adams e escutavam Neurosis/Tragedy, trancou-nos até à derradeira dissonância. Foi bonito sentirmos a insubordinação do crust nas entrelinhas de um pesar mid-tempo, berrada a três vozes.

Há muito que os receios motivados pela opção de extrair as vocalizações dos temas se encontram dissipados. Contudo, a actuação dos franceses no Amplifest serviu para comprovar, e até entender, os benefícios da nova visão musical que adoptaram. Apesar de toda a massificação sonora que apresentaram, o ritmo acabou por ser um elemento sempre constante, observando-se a importância que cada guitarra assumia, existindo sempre a preocupação em se descortinar o papel de cada corda. Não será de estranhar que um dos bateristas se exibisse com uma tshirt dos extintos Moho. O sludge é um dos elementos mais predominantes e a saturação constante do silêncio traçou toda a actuação. No entanto, o intercalar de temas em que o ambiental do órgão é presença essencial, com as malhas em que as duas baterias assumem postura fulcral, acabou por situar os Year Of No Light numa fase intermédia entre aquilo que se escuta em “Ausserwelt” e na banda-sonora de “Vampyr”. Ou seja, num trabalho mais centrado na força dos instrumentos e, noutro mais voltado à dedicação na ambientalidade, existindo sempre a noção de equilíbrio. Foi nesse contexto que se colocaram os novos temas mostrados em antemão do próximo disco da banda de Bordéus, “Tocsin”.

Assim, a estranha combinação entre a força do baixo e das guitarras, a par das duas baterias com as teclas, acabou por trazer a sensação de que estas apenas existiram com o intuito de permitir a sua assimilação por toda a restante estrutura musical. Como se o ambiente tivesse o propósito final de ser “comido”, mostrando a sua natureza frágil em relação a tudo o resto.

De aprumadas gravatas e capuzes facínoras, os From The Bogs Of Aughiska, soma de duas partes que se dividem entre a ensurdecedora guitarra e o computador em estratégia sampler, esfregaram noise naqueles que deram corda aos sapatos e desceram até à Ribeira. Insólita no contexto lounge que o Mercedes transparece, a ambiência do par irlandês cairia melhor no goto se a tivéssemos deslindado na asfixiante Sala 2. Assim, foi barulho por barulho, sem aquele contexto que nos permite encontrar nexo e desfrutar da intra-peregrinação.

Ao longo de todos estes anos em que esteve presente em inúmeros projectos e encarnações da sua personagem, ora como Evangelista, ora acompanhada pelos mutantes Bloody Claws Carla Bozulich tem conseguido transmitir sempre um carisma extraordinário a tudo o que emprega a sua pessoa. Foi impossível não se olhar para esta mulher de pequena estatura e vê-la como uma das grandes. Sim, a raiva com que muitas vezes se entrega aos temas e com que debita frases em “Outside Of The Town” fazem-nos recordar imediatamente a postura e mesmo o timbre de Patti Smith. Mas nem só por aqui Carla trouxe carisma ao Porto e esse sentimento é transformado na faceta que ela pretende, quer se encontre num corrupio odioso ou de singela harmonia. O violino, mas também a guitarra de Manuel Mota, contribuíram muitas vezes para conferir um pouco de ordem a toda a intensidade com que ela se entregou às palavras. Talvez por isso olhando para o palco se vislumbrava um conjunto imenso de folhas com letras. Não existam dúvidas, todo aquele conjunto de rabiscos tinha que ser dito, a mensagem tinha que ser passada e Carla tinha que sair do palco com aquele seu carácter profético completamente disseminado. Assim o fez.

Anexam-lhes o epíteto de «black metal para hipsters», trucidam-nos pelo seu polido figurino – George Clarke tem tanto de detestável para uns, como de sacro para outros, fruto de um rol desui-generis maneirismos. A verdade é que, mesmo inebriados pelo zéfiro melancólico do post-rock e pelo emocional ímpeto do screamo Orchidiano, os Deafheaven são pesados. Esqueçamos as luvinhas do vocalista e centremo-nos em “Sunbather”: foi ele kaiser de palco enquanto a banda de San Francisco por lá passou. Na veemência, recuperando distintamente as transições entre contemplativas melodias e asperezas blast beat, o segundo álbum dos norte-americanos respirou de pulmões abertos, sem deslizes. O Hard Club virou “Dream House” e quem quis deambular na experiência por ela ministrada não saiu desafeto. Haverá um desmesurado hype sem redor? Quiçá, pois até a Apple já lhes dá publicidade no seu marketing para o iPhone 5. Negar-lhes qualidade, no entanto, seria cair na insensatez e deixar que a estética visual prevaleça sobre o conteúdo. «Se os céus não veem, que ninguém veja”, já escrevia Saramago. Reverência final a Daniel Tracy, que domou aquela bateria como poucos.

Apresentados como a incógnita da noite, os Catacombe subiram ao palco e acabaram por apresentar aquilo que tantas vezes é típico neste conjunto de bandas de post-rock: crescendos e decrescendos e progressões típicas do estilo. Será impossível não recordar tantos outros projectos que seguem este tipo de pergaminhos e, talvez por isso, ouvir o quarteto soou sempre à caminhada por trilhos antes palmilhados. A melodia prosseguiu como fonte primordial em todas as composições e o jogo entre a guitarra e a bateria anuía a introdução de cadências mais suaves e melódicas, para no momento seguinte se entregarem a uma maior construção sonora com todos os elementos instrumentais a procurarem o seu espaço e a sua interferência em todo o processo de edificação do tema.

Incapaz de se afirmar pelas altas temperaturas, a Suécia costuma trazer-nos alguns dos mais gélidos e introspectivos projectos. O paradigma não se aplica aos Galvano: no encalce do southern sludge, onde os Mastodon são monarcas e Matt Pike é barrigudo canonizado, houve riffaria deslavada. Há falta de quentes pântanos lá para as nórdicas latitudes? No Mercedes, não pareceu, com o trio a outorgar um sólido concerto.

Será indesmentível que estávamos na Sala 1 do Hard Club. Sim, foi mesmo real. Apesar disso, se há local para onde os Uncle Acid & The Deadbeats nos levaram, foi para tudo menos para uma sala fumarenta e repleta de gente. Assim, não é de admirar a influência que os filmes de terror e série-b desempenham em todo o processo de composição dos britânicos e, ouvir um tema como “Valley Of The Dolls”, só podia guiar para um caminho de atrocidades negras e pouco consentâneas com o pré-estabelecido. Vozes de surdina e riffs por todo o lado conseguiram mostrar o quanto podem ser abrasivos os locais para onde queriam remeter a nossa atenção.Empunhando músicas dos três discos, o regresso a “Vol.1” com “Crystal Spiders” serviu para adensar o mistério que todos os seus temas traduzem e esbofetear-nos o focinho com a importância que o riff continua a assumir. Estes rapazes fazem-nos acreditar de novo neste rock ácido, psicadélico e celebratório de momentos pouco actuais, e a sequência transmitida com “Mind Crawler” e “Mt. Abraxas” carregou uma incrível densidade ambiental, demonstrativa de todo o mundo musical que os move.

Por muito que K.R. Starrs possa dizer que lhe é irrelevante a opinião das pessoas em relação à sua música, não há como não se gostar de toda a mistura viciante, intimidante e quase lasciva de “Death’s Door” ou “Vampire Circus” que nos fizeram sair da sala com a sensação de estarmos prestes a adorar e a sucumbir ao estatuto de discípulos de algo que poderia ser socialmente condenável.

Se no momento anterior os Uncle Acid & The Deadbeats tinham terminado o seu ritual, os HHY & The Macumbas trataram de mostrar que o culto do profano e da essência do “voodoo” continuavam a ser necessários. De facto, tudo pareceu seguir um rito, quer fosse com a neblina inicial, quer com a purificação alcoólica com que brindaram os presentes no inicio da actuação. A Macumba pareceu surgir por impulso, baseando-se num constante tratamento de percussão. Em formato tribal, com o feitiço iminente, este enorme conjunto de músicos, encenou em palco algo semelhante a uma cerimónia de iniciação. Remoto e pouco citadino, como se um conjunto de aldeões com as suas baterias e o trompete nos colocassem como o elemento a ser introduzido num qualquer novo culto.