Na ininterrupta urge de tudo distribuir correctamente pelas várias prateleiras do armário, os Amebix são quase sempre mal colocados. Invariavelmente, o selo de anarco-punks ou anarco-crust-punks cai-lhes em cima, estando confinados há mais de vinte anos a um preconceito ideológico que não lhes deixa receber os devidos (e merecidos) louros. O que os Amebix alcançaram, na segunda metade da década de 80, com Arise! e Monolith ultrapassa qualquer barricada política. Aliás, essa é a distinta divisa dos britânicos: apesar de sempre terem sido vincadamente anti-sistema, a sua música tinha um intuito mais amplo e mais abrangente. Não só era estilisticamente diferente daquela que lhes era contemporânea, como almejava, acima de tudo, ser o antídoto à castração mental e artística. Nunca foi o caos pelo caos.

Exactamente vinte e quatro anos depois de Monolith ter sido lançado e de as suas actividades enquanto banda terem terminado, os Amebix decidiram avançar para o seu terceiro disco, motivados pelo documentário Risen, que recuperou a singular carreira dos ingleses. Rob Miller e Stig reuniram-se com um novo baterista, Roy Mayorga (Nausea, Soulfly), e assumiram um passo arriscado. Afinal, dar um irmão mais novo aos dois intocáveis discos do grupo, com quase três décadas de diferença, poderia tornar-se num enorme disparate e numa evitável mancha no currículo dos ingleses.

Não o é. O anacronismo, principal receio de quem pegou em Sonic Mass, é dissipado assim que se escuta Days. A taciturna beleza que os Amebix sempre conseguiram criar no núcleo da sua toada crust é de imediato recuperada, com a voz de Rob Miller, igualmente soturna, mas menos crispada, a entoar “These days will never come again”. Nós sabemo-lo e a mensagem fica explícita:Sonic Mass é a continuação de um imponente legado, mas nem por isso se deixa equivocar nas tramas do tempo.

Os vestígios do punk/crust, gasolina da jovialidade, são residuais. Neste seu novo disco, os Amebix, bem amadurecidos por tantos anos, enveredam por uma abordagem post-punk, que sempre foi uma das suas principais fontes de inspiração. Torna-se difícil não pensar nos Killing Joke quando se ouve a aguerrida God of the Grain ou a bucólica Here Comes The Wolf, por exemplo. A veia industrial ganha também uma nova spotlight nas composições deAmebix e isso fica patente nos riffs de Stig, mais dados a um chug-chug do que àquele galope que fez de Largactyl um cântico. Redobra-se a atenção nas melodias, com Visitation soar a uma ode a Souls At Zero, dos Neurosis – uma espécie de agradecimento, já que a banda de Scott Kelly e Von Till cita sempre Amebix como influência. Sonic Mass I parece, até, uma faixa capaz de integrar um dos belos trabalhos a solo de Steve Von Till, não só pela profunda voz de Rob, como pela bem explorada dimensão folk.

A terceira parte de uma admirável carreira completa-se com Knights of the Black Sun, um tecido melódico de fazer inveja a muitos, que recupera aquela melancolia de Peter Murphy e dos seus Bauhaus, carregando-a de múltiplos flashbacks das cinzentas e abandonadas casas de Bristol, ocupadas pela banda na sua adolescência. Sonic Mass não só não envergonha o que os Amebix fizeram nos anos 80, como se torna, no aprumo da diferença, um fragmento importante daquilo que os britânicos são e serão.