Alraune é fruto da inseminação artificial duma prostituta com o esperma dum enforcado. É pelo menos essa a origem da personagem literária que dá o nome à banda, extraída do romance homónimo escrito em 1911 pelo alemão Hanns Heinz Ewers. A história de Alraune inspira-se no mito medieval que atribuía a origem da raiz da planta mandrágora ao sémen ejaculado pelos enforcados depois de o seu pescoço se partir. Tal como as bruxas que copulassem com a planta dariam à luz seres incapazes de sentir amor, também Alraune nasce desprovida de qualquer sentimento que se assemelhe. Podia ser este o mito fundador de muitas das bandas que germinam nos campos pútridos da música extrema. Mas calha estar ligado, por via do nome, a uma banda oriunda de Nashville, TN, que começou a chamar a atenção das hostes black metaleiras com uma demo lançada online há pouco mais de um ano atrás. Ao ponto de este longa-duração de estreia que temos em mãos, “The Process of Self-Immolation”, ver a luz do dia com o selo da prestigiada Profound Lore Records em parceria com a Gilead Media.

O black metal produzido do outro lado do Atlântico, em particular nos EUA, tem causado algum burburinho nos últimos anos pelas mais diversas razões. E se isso ajuda a perceber a atenção imediata que a banda cativou, não explica tudo, até porque Alraune não encaixa totalmente no que estamos habituados a receber com este rótulo vindo daqueles lados (Ash Borer é, talvez, a banda conterrânea com uma sonoridade mais próxima). Apesar de ter alguns devaneios ambientais a roçar o post-qualquercoisa (em “Simulacra”, por exemplo), é a fealdade, a crueza e a velocidade que compõem as paisagens predominantes deste trabalho. Não há grandes paragens pelo caminho, nem há arranjos de produção muito elaborados a pintar o cenário com camadas shoegaze que se abatem suavemente sobre nós. A muralha de som que atravessa “The Process of Self-Immolation” arrebata-nos mais pela sua semelhança com um prédio a desmoronar-se no meio duma tempestade do que pela sua monumentalidade.

São vários os elementos a contribuir para esta catástrofe. A velocidade e a brutalidade do som imprimem um toque crust que, aliado à escuridão das músicas, recorda bandas como Young And In The Way. E o lado melódico das músicas sente-se mais como um sufoco do que como a melancolia depressiva que tem predominado entre as propostas de alguns compatriotas destas lides. O trabalho de guitarras não é particularmente elaborado e é marcado por riffs mais directos, com um tremolo picking carregado de sujidade, o que em conjunto com a produção lo-fi dá a este registo um feeling mais old-school. Junta-se a isto uma bateria sublimemente possessa que arrasta tudo como uma enxurrada.

Em sintonia com o mito, amor não é de facto uma coisa que abunde ao longo dos 38 minutos de duração deste primeiro álbum de Alraune. Mas o que ouvimos ao longo desse período, mesmo sem nunca surpreender demasiado, é sem dúvida uma das novidades mais interessantes a surgir daquelas paragens nos últimos tempos. Ao ponto de o repeat ser um dos primeiros pensamentos a surgir logo que superamos o último segundo.