Todos nós temos abrigos, aos quais queremos sempre voltar. Seja uma casa, um amor proibido, uma amizade sem ética, um abraço reconfortante ou, no mais básico e complexo paradoxalmente, a família, o último reduto humano de todos. Como cruzamos todos estes “triunviratos” na rotina diária, isso já se torna mais complicado.
É de uma premissa algo similar que parte Dorwytch, o disco de estreia no selo da Thrill Jockey do inglês Alexander Tucker. De tudo o que experimentamos na nossa vida, de bom e de mau, na envolvência de um nevoeiro, ou de um dia soalheiro. Musicalmente, isto traduz-se num eclectismo perturbador, aterrador – ao mesmo tempo, emancipador -, no qual não podemos deixar de procurar a redenção sonora e pessoal.
Na verdade, Dorwytch é um trabalho assente em ideias e na reflexão, aos níveis estético, cerebral e de composição. Daí que o referido cruzamento de estilos musicais seja, em primeira instância, das coisas mais belas e tocantes que ouvi nos últimos tempos. Hose, canção marcada pela formosura de um fingerpicking atroz, é ver alguém de quem gostamos a dormir (“Talking when you’re sleeping […]”); o crescendo em violoncelo de Pearl Relic significa olhos castanhos cansados do campo e o minimalismo assente nas cordas de His Arm Has Grown Long, a excelente faixa de abertura, só vem ser mais uma amostra da pureza deste registo, pródigo em exemplos. Que, aliás, seriam para continuar, pelas catorze canções que compõem este registo.
Não deixa, ao mesmo tempo, de ser curioso observar a maneira como Tucker balança a tradição de um singer-songwriter folk entre um vanguardismo dotado de pormenores drone, de camadas (Loop the Loop, como diriam os Wild Beasts), onde a manipulação sonora ganha toda uma dimensão distinta. Claro que, para essa senda, o passado do autor na editora de Jackie-O Motherfucker, a U-Sound Archives, ou as colaborações de luxo que Dorwytchintegra – com Daniel O’Sullivan (Guapo, Aethenor, Miracle, Ulver) à cabeça – não podem ser colocadas em segundo plano.
Num mundo encantado, Dorwytch embalar-nos-ia. Dado que tal coisa não existe, a parte incrível deste registo é fazer-nos acreditar que, por momentos, conseguimos lá estar.