Nem todas as noites podemos assistir à comunhão tão clara entre a raiva vinda de um dos paraísos social-democratas nórdicos e a revolta saída dum território que transpira destruição e ódio por todos os poros. Se os suecos Age Of Woe são parte das vozes desafinadas do coro que fazem questão de lembrar que nem tudo é tão maravilhoso assim no seu país modelo, os israhellitas Kids Insane expressam nas letras o que é viver num meio dominado pelo medo quotidiano e entregue a políticos que vêem na criação de um terror ainda maior a solução para os “seus” problemas internos. Crescer num país em que o serviço militar é obrigatório para defender uma “causa” e uma “bandeira” em que não se acredita, entrar num autocarro e saber que é uma possibilidade explodir juntamente com ele e, contra tudo e contra todos, insistir em mandar à merda os poderosos a quem todos pedem protecção e que insistem em “procurar a Paz” destruindo vidas alheias, é um cocktail explosivo como poucos. Os Kids Insane chamam-lhe uma bomba-relógio e cantam sentados em cima dela. Não foi só o futuro que se apagou, é também o presente que está vazio. E dificilmente haveria melhor som do que o punk/hardcore para cuspir tanta revolta. No entanto, apesar da clareza com que a expressam, os Kids Insane têm um som bastante aprumadinho, bem ao jeito de algumas bandas de hardcore agressivo mas melódico que têm saído dos EUA nos últimos anos. Em palco revelam uma coesão notável. E tudo sem prejuízo para a fúria que nos atiram à cara sob o comando do frenético vocalista Corey. As apresentações fizeram-se com “Frustrated”, mas foi com “Story of a Lonely Street”, com o vocalista a berrar na solarenga Lisboa “the sun is shining but not for us”, que a timidez do público desapareceu e o pit finalmente explodiu. Apesar dos poucos presentes, a energia e entrega da banda ainda contribuíram para que se levantasse algum pó do chão de cimento em frente ao palco e, no fim, o público ficou a pedir mais. O concerto da noite.

A última banda a tocar foram os Age Of Woe, navegantes de outros mares sonoros bem mais pesados e sujos. Foi a eles que ficou entregue a tarefa de incentivar headbangs e dobrar as espinhas dos presentes e cumpriram-na com rigor. Entre as arrancadas do hardcore e uns riffs que se passeiam entre o doom e mesmo o death ou thrash, tudo bem embebido na imundice de alguns momentos crust, foi com os suecos que a potência decibélica atingiu os patamares mais elevados. E a fúria trazida pelos Kids Insane momentos antes ganhou nova forma em palco. Tudo sem afectar a elegância patente em estúdio com que fundem diferentes estilos ou a fluídez com imprimem mudanças rítmicas. O registo mais recente da banda, “Inhumanform”, ocupou a maior parte do set, apresentando temas como “The Kings of Thieves”, “Black Rain” e, a terminar o concerto, “A Rite of Passage”. “Born of Fire”, do split 7’’ com 100 Years, também não podia deixar de marcar presença. Sublinhe-se, porém, que a banda, sem deixar de dar tudo, parecia algo desconfortável em alguns momentos, talvez compreensivelmente por sentirem não estar no seu ambiente ideal.Barroselas, onde tocam hoje, parece, sem dúvida, um local bem mais propício.

Antes de tudo isto, a abrir a noite, estiveram os Officer Dick e, em seguida, os Shitmouth. Os primeiros foram das coisas mais podres que vi em muito tempo, o que é dizer que é daquelas bandas que são tão más que se tornam interessantes. Sem dúvida com a atitude mais “que se foda” de todos os presentes, metade do concerto foi gasto em falsas partidas por causa dos pregos com que iniciavam as músicas. Apenas o baterista, que parecia levar-se a sério, parecia destoar da atitude descontraída e divertida da banda. Deu para aquecer e chamar a atenção. Os Shitmouth já dispensam apresentações e mostraram, mais uma vez, por que é que são das melhores bandas do seu estilo em Portugal actualmente. Descrevem-se como banda de punk/hardcore dos anos 80 e expressam-no como poucos, parecendo, em alguns momentos, ter vindo direitinhos da Washington D.C. do ínicio dessa década. Com o vocalista Borges vestido de freira e dotado de uns pulmões quase tão grandes quanto o Parque Florestal de Monsanto, desde o momento em que arrancaram até ao final fizeram do público um saco de boxe a quem não deram sequer tempo para respirar. Bastante impressionante. Só temos a agradecer a descarga de adrenalina que tanto tem faltado por estes terrenos musicais.