Já antes aqui escrevi sobre concertos nostálgicos: enquanto que os Deep Purple recordaram energicamente o Machine Head, o Steve Hackett fechou-se num excesso de virtuosismo. Adrian Belew e o seu Power Trio não foram nada disso, na realidade, falar de nostalgia na sua magnífica prestação no Santiago Alquimista é praticamente um insulto. A melhor forma de resumir em três partes este concerto é com o nome da banda: Adrian Belew Power Trio. Adrian Belew é um incrível guitarrista que produz basicamente o que bem entender da sua guitarra; Power foi o sentido constante da noite; e Trio, esta peça não teria sido a mesma coisa com a pontaria certeira do baixo de Julie Slick e a bateria explosiva de Marco Minneman.
É preciso contextualizar. O Santiago Alquimista esteve muito longe de estar cheio, talvez pelo preço dos bilhetes (20€ numa sala com aquela qualidade de som não é o cúmulo da justiça), talvez por alguma falha na divulgação, ou talvez porque o nome de Adrian Belew não ser propriamente muito conhecido. Mas, para quem conhece pouco ou não conhece de todo, vamos contextualizar Adrian Belew: é guitarrista e vocalista dos King Crimson desde 1981; tem uma larga carreira a solo; criou uma banda chamada GaGa nos anos 70 e nos anos 80 uma outra chamada The Bears; tocou em estúdio e ao vivo com, entre outros, Frank Zappa, David Bowie, Talking Heads, The Tom Tom Club, Nine Inch Nails, Ryuichi Sakamoto e Laurie Anderson. Portanto, não é um tipo qualquer.
Vamos então à Rua de Santiago. Pouco antes das 22h sobe ao palco a portuguesaEmmy Curl com a sua voz doce e calma acompanhada pela sua guitarra – merecia uma noite diferente para tocar no Santiago Alquimista. O público que lá estava não queria doces, queria explosão cortante e foi isso que recebeu quando, meia hora depois, o trio subiu ao palco.
O que se esperava era ouvir muito King Crimson e isso apareceu na dose certa. Ouvir a banda de Robert Fripp num trio poderoso é diferente do normal, não demasiado diferente, mas não existe uma colagem forçada para fazer igual.«Elephant Talk» sem o chapman stick torna-se maior na amplitude, menos estranha, e poderosa;«Dinossaur» foi esplendorosamente grande, com pausas que depois criavam grande intensidade; «Indiscipline» foi esquizófrenica como tem de ser; e «Thela Hun Ginjeet» foi cantada pelo público no meio de uma explosão sonora perfeita.
Mas não foi só King Crimson que se ouviu nessa noite. Adrian Belew tem uma grande carreira a solo em que a sonoridade não está muito distante dos Crimson, mas isso não é propriamente um problema. A sua entrada nos King Crimson, em 1981 (quando estes existem desde 1969), veio alterar profundamente o som da banda e a sua carreira a solo é marca do próprio Belew. As peças da sua autoria eram, portanto, muito bem aceites e continham a mesma energia e força das músicas da sua banda principal. E ainda tivemos o prazer de ouvir uma versão pouco ortodoxa de «Within You Without You» dos Beatles (mais propriamente do George Harrison).
Como descrever este concerto para além do alinhamento? Adrian Belew é um guitarrista estranho, a sua produção musical não é propriamente normal – todo o tipo de sons podem sair das suas mãos e isso cria sentimentos contraditórios constantes. A força e o poder são a grande marca da guitarra de Belew, arranham as entranhas de uma pessoa – confronta-nos constantemente com o belo e o desespero, que aliás segue a linha das letras de King Crimson. É o homem que está em causa, o mundo interior e o desespero que nos consome, a inutilidade materialista em que vivemos – tudo isto analisado meticulosamente de dentro para fora, regressando para dentro. Pega-se no mundo de cada um e volta-se a pôr para dentro com violência.
Belew não estava sozinho. Julie Slick é uma óptima baixista com um grande cabelo – ela era a base para o concerto não se tornar estridente. A bateria de Marco Minneman era frenética, imparável e grande – não era só da guitarra que vinha a força, esta foi amplificada pelas batidas inconstantes, mas certeiras, de Minneman. E quando se pensa no trio percebe-se do único ponto fraco do concerto: os solos. O solo de guitarra de Adrian Belew, por mais impecável que tenha sido, não teve aquela força e confronto do trio, era uma amostragem de capacidades técnicas impressionantes, mas desnecessária neste alinhamento. O mesmo se pode dizer do solo de bateria de Minneman, alto e longo, mas completamente excessivo.
No fim, sai-se do Santiago Alquimista com a sensação que fazem falta concertos e artes destas. Do confronto com o mundo e connosco é que nascem coisas novas.