O classicismo de A Winged Victory For The Sullen é mais eucarístico do que helénico. O bufete de cordas que ali se monta no Maria Matos, gordo pela gente que o ocupa, projecta-se nos espectadores como um altar majestático. Que pede, ou melhor, exige silêncio. E, se há coisas que antes de o ser já o eram, então este concerto talvez fosse já bonito antes mesmo de conquistar a plena materialização nos cinco sentidos – mais tivéssemos e lá estariam eles para explorá-los, partitura a partitura.
O eclesial de A Winged Victory For The Sullen vem de uma espontânea hegemonia – a do artista sobre o público; nesta noite, pelo vagar cerimonial com que as notas se processam e escutam, em tudo semelhante à do despessoalizado divino sobre o crente. O público deixa de o ser, para se tornar fiel. Para se tornar devoto à disposição intáctil comungada entre piano, violoncelo ou violino. Que o obriga a ver coisas onde não estão, a preencher espaços que julga vazios, a seduzir fantasmas que perderam a vontade de regressar aos vivos. Essa consciência do abstrato talvez não esteja assim tão distante àquilo que se sentirá numa contemplação ao Santo Sepulcro – e é nessa digressão sagrada sobre a realidade física que A Winged Victory For The Sullen se torna maior do que a própria Lisboa que visita e absorve. “Atomos”, peça a peça, vindica a liturgia instrumental – e nós concedemos-lha.
Dustin O’Halloran e Adam Wiltzie, maestros de tudo como pedagogos de cantaria, agradecem-nos no fim a ovação reverente. Encontrá-los-íamos lá fora, poucos depois, a fumar um cigarro ou a beber um whiskey – afinal, todos precisamos de descer à terra.