Os A Storm of Light, bem acompanhados, proporcionaram uma noite de peso e visualmente rica a quem esteve presente no Novo Espaço – afinal de contas, é do Josh Graham, o artista por de trás do visual de Neurosis, que estamos a falar. O Teatro Independente de Oeiras (TIO) recebeu uma noite para recordar.

Com a sala meio-cheia, eram já 22h30, os primeiros acordes da noite, carregadíssimos de delay, foram soltos por um dos guitarristas de Katabatic, que assumiu sozinho o palco durante alguns momentos. Quando a banda se juntou toda perante audiência, o Post-Rock que se fazia prever chegou e bem aspectado: intenso e dentro daquilo que já é habitual no género, com alguns momentos mais pesados e camadas de música aparentemente destruturada. Esta foi a grande qualidade do concerto, e pecou por ser muito fugaz. A fórmula destes lisboetas tornou-se repetitiva, o que reduziu a sua actuação a um início e um fim intensos, insuficientes para ofuscar a restante presença dos Katabatic, no fundo, irrelevante.

A surpresa da noite foi a actuação do quarteto de Évora Process of Guilt, que varreram a sala com um Doom demolidor (sim, é propositado). Houve mesmo quem visse neles um D. Sebastião e enchesse não só o teatro mas também o vestíbulo e o corredor que o precede de fumo – a situação ficou grave ao ponto de dificilmente se ver a banda durante uns bons dez minutos. Felizmente que, em A Storm of Light, o próprio Josh Graham se encarregou de desligar a maquineta que cuspiu a fumarada durante o concerto anterior e de meter os mitos no seu sítio (e o público agradeceu).

Os Process of Guilt têm as músicas com momentos bem doseados, entre ambientes feitos com paredes de delays e distorções, palm-mutes e riffs bem sujos e pesados; os dois guitarristas, com estes ingredientes, apenas ajudaram à festa com a sua entrega em palco. Pena as músicas terem começado, invariavelmente, com um grito do vocalista – o homem tem pulmões, isso ninguém lhe tira, e uma boa voz para o género, mas acho que isso se nota melhor com a música e não sem ela. No fim, este concerto já quase justificava a viagem até Oeiras, e foi intenso o suficiente para levantar alguns membros do público para um local com espaço suficiente para se fazer headbang sem incomodar os demais.

Mas o propósito de todos os presentes era ver os A Storm of Light. E esses sim, valeram bem a pena; presentearam quem teve a coragem de aguentar aquele peso imenso e cru com uma presença intensa e com um espectáculo visual arrebatador. Sim, os vídeos do Josh Graham são incríveis – e metade do espectáculo da banda, em justa medida – e merecem um gigantesco destaque. Se pudesse, faria um texto só para descrever o que se vê, tanto quanto se ouve, durante um concerto de A Storm of Light, mas trata-se de uma experiência para se ter, não de algo que se conte. A sincronia entre as músicas e os vídeos, a intensidade com que ambos se desenrolavam, foram arrepiantes e deram uma dimensão às músicas que transcendia a simplicidade com que elas se afiguraram perante a audiência.

E, no entanto, não é só dos vídeos que se pode falar. Domenic Seita, o baixista, tem uma presença assustadora: não foram poucos os momentos em que um headbang de puxar a cabeça bem atrás e curvar toda a espinha se seguiu a uma gigantesca agressão ao baixo, que grunhia em distorções e numa melodia tão lenta quanto lamuriosa; Vinnie Signorelli também não ficava atrás, apesar da pose tensa que manteve desde o início do concerto, quando chegava o momento de se impor, a sua presença era sentida. Josh Graham foi o mais sóbrio, mas metade dele estava nas costas da banda, a ser projectado na parede branca do Novo Espaço, por isso há que lhe compreender a descontracção.

Fez todo o sentido, com o aparato que rodeia as músicas de A Storm of Light, as histórias sobre mares, oceanos e todos os seus perigos (“I am the shark among fish and the ocean among seas”, lia-se numa das t-shirts que vendia a banda na sua banca de merchandising), o primeiro concerto da sua digressão ser em frente a uma praia, junto à grandeza, digna de tantos mitos, de que Josh Graham e companhia se aventuram a descrever. Sexta-feira, tendo começado discretamente, foi palco de uma destruição que só fez pleno sentido no fim, quando os nova-iorquinos, sem encore, deixaram uma audiência satisfeita, cansada, mas com vontade para aguentar mais um pouco. Porque é sempre assim quando os espectáculos são bons: estamos de rastos mas aguentamos mais um golpe daqueles.