Três anos depois da atribulada e curta presença dos The Fall no palco do Festival Milhões de Festa, a incógnita era o tema principal que poderia ecoar sobre os presentes. Assim, encontrávamo-nos completamente alienados aos humores de Mark E. Smith, prontos para lhe perdoar as imprecisões, os maneirismos mas, acima de tudo, para granjear a sua performance.

Ainda antes de começar, a longa projecção de imagens de Elvis, Barbra Streisand e Freddie Mercury testaram a paciência. No entanto, tudo isso se tornou suportável quando, de seguida, se estava a ouvir ‘Irish’ e ‘Jetplace, dois dos temas do mais recente ‘Re-Mit, e Mark, sem demoras, começava a dar aso à sua actuação de músico a meio termo e performer a tempo inteiro. De facto, o tempo que passou a gesticular ou a mexer em tudo dos restantes elementos da sua banda foi quase tanto como o que cantou.

A forma como o fundador dos The Fall se comportou em palco fez muitas vezes lembrar aquele tipo de personagens que se espera encontrar num pub. Alguém pouco disponível para mais contactos que não com a sua ‘pint’ e completamente alheado de tudo aquilo que se passa para além das poucas bolhas gasosas que restam no seu copo. Mark Smith é mesmo uma personagem do catano e a ele perdoamos que cante atrás do amplificador, que saia do palco, que vocifere e que pareça pouco interessado em ser competente. No fundo, indo de encontro a tudo aquilo em que os britânicos se continuam a basear: a despreocupação e a falta da necessidade de ser meticuloso do punk, mas também a repetição e o arrojo do ritmo do baixo e da guitarra que muitas vezes acabava por lembrar algum brit-pop.

Os The Fall apresentaram uma espécie de resumo discográfico da sua última década de lançamentos, centrando-se maioritariamente no seu novo longa-duração, mas também em ‘Your Future Our Clutter’, sendo em ‘Hot Cake’ que se começava a dar verdadeiramente atenção aos sintetizadores de Eleni Poulou.

De casaco, sem casaco, de camisa, de tshirt, a circular, sentado,ou a importunar o quarteto de músicos e a colocar à sua vontade a forma de soar da guitarra e do baixo, a voz dos The Fall abraçava temas como ‘Sparta FC’, ‘What About Us’ ou ‘Reformation’ com a sua maneira cáustica e desinteressada. Sejamos sinceros, se assim não fosse, não tinha piada nenhuma.

Antes dos britânicos, Carla Bozulich e os seus Bloody Claws, projecto mutante que contou com Manuel Mota em referência à formação livre desta iniciativa, proporcionaram momentos em que o lirismo e a importância da declamação tiveram espaço prioritário. Depois de saturada pela importunação de um qualquer ouvinte mais bebido e de se ter insurgido contra este, Carla, perante o problema resolvido, mostrou-se mais tranquila e com o toque do violino mais melódica, contida e serena.

A voz dos Evangelista recordou por várias vezes o cantar de intervenção, onde o recitar e a premência das palavras surgem de forma natural, por isso, nem mesmo quando canta praticamente sem acompanhamento, acalmando a máquina a vapor que ela diz ser, se nota que alguma intensidade seja perdida. As cadências vocais com várias alterações de entoação ao longo dos temas, forçaram a uma centralização total na sua pessoa, mas, verdade seja dita, ora a guitarra, ora o violino, tornaram a melodia e a versatilidade da actuação ainda mais consistente, mesmo quando se lançou a ‘Times Square’ de Marianne Faithfull, um tema que retracta a solidão, mas que ali ganhou uma força especial de integração e cooperação.

A última noite da décima edição do Out.Fest começou com os Skullflower. Sempre apostados em actuações curtas e a roçar o limite do compreensível, o duo mostrou que continua a colocar o seu selo de protagonismo nesta categoria de som, onde o noise é figura de proa. Com o violino de Samantha Davies, a guitarra e as vozes imperceptíveis de Matthew Bower, o ruído e a contínua exploração do mesmo, mostraram que apesar dos longos anos de separação, os seus ideais sonoros continuam muito bem percepcionados.

Sempre de costas voltadas para o público, com Bowerpermanentemente a encarar de frente o seu amplificador, talvez averiguando que dali nada saísse inócuo e com insuficiente distorção, os Skullflower justificaram o porquê de servirem algo imediato, sem rodeios, selvagem e apesar de quase mórbido, estranhamente aliciante.